quinta-feira, abril 01, 2010

Líbero Luxardo, o cineasta da Amazônia

Do backstage, uma pausinha para pipoca e cinema! Atendendo aos pedidos do amigos, posto aqui minha matéria publicada hoje no jornal Diário do Pará, dentro da série Orgulho do Pará, em homenagem ao grande cineasta Líbero Luxardo.

Por Jumara Cardoso
Um arqueólogo sai de Belém para visitar e conhecer cemitérios indígenas na Ilha de Marajó, em meados dos anos 60. Hospeda-se numa fazenda sem imaginar que está no cenário de uma trama repleta de aventuras, envolvendo personagens típicos da região. Meio dramáticos, convenhamos, mas pra lá de divertidos. Esse é o resumo da sinopse de “Marajó, barreira do mar” (1964), o segundo dos longas-metragens que compõem a preciosa obra de um paulista apaixonado pelo Pará: Líbero Luxardo (1908-1980) ou o Cineasta da Amazônia, como é mais conhecido.
O filme do qual falamos deveria ser uma espécie de western marajoara e seu roteiro continha um final apoteótico, com um búfalo “sagrado” invadindo uma pequena vila, derrubando palhoças e fazendo todo mundo fugir apavorado. Esse detalhe interessante só não foi incluído na trama porque Luxardo, convencido de que não teria dinheiro para bancar os prejuízos dos moradores do local, acatou a sugestão de um jovem amigo e, como ele, um também aficionado por cinema, o crítico e escritor Pedro Veriano.
“Líbero foi o primeiro cineasta a filmar longa-metragem no Pará, com atores e técnicos locais. Cheguei a fazer, a pedido dele, o roteiro de ‘A Quadrilha de Jacob Patacho’, um conto de Inglês de Sousa. Também exibia em minha casa (o lendário Cine Bandeirante) seus filmes em pré-lançamento para atores, convidados, além de possíveis compradores do exterior”, afirma Veriano.
Depois filmar várias películas em São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, ao lado do sócio, o fotógrafo Alexandre Wulfes, Líbero Luxardo desembarcou em Belém, em 1939. Trazia na bagagem uma cópia de seu maior sucesso, a película “Alma do Brasil” (1931/1932). Foi mais um caso típico do viajante que chega ao Pará.... e pára de vez por aqui. E ele tinha a câmera na mão e uma convicção na cabeça: iria fazer cinema numa exótica e distante Amazônia, não importassem as críticas externas.
Ele cumpriu o juramento, pois não era para menos; antes de tornar-se cinéfilo, quando criança aprendeu com o pai, o fotógrafo Júlio Luxardo, todos os segredos de uma câmera. Antes vir morar no Pará filmou “Caçando feras” (1936), “A luta contra a morte” (1937), “Aruanã” (1938), entre outros. Uma coisa havia em comum entre a maioria deles: um certo fascínio de Líbero pela floresta e os animais.
“Nos anos 40 ele chegou a montar um estúdio na avenida Nazaré para realizar o seu primeiro filme na região, ‘Amanhã nos encontraremos’ (que deu origem a ‘Marajó, barreira do mar’). Não conseguiu filmar por causa da falta de película ocasionada pela Segunda Guerra Mundial. O jeito foi fazer pequenos curtas e nesse período fez amizade com o então governador Magalhães Barata. Pelas mãos desse amigo, ingressou na política. Foi deputado estadual, gravou documentários sobre obras do governo Barata e manteve um cine-jornal para exibir matérias de festas de Carnaval e aspectos turístico de Belém”, conta Pedro Veriano.

Cena de Um Dia Qualquer

Memórias da Belém antiga em filmes de Luxardo
Após a morte de Barata em 1959, Líbero Luxardo desarmou o palanque e retornou ao cinema em 1962. Estava decidido a colocar em prática seu primeiro longa paraense, “Um dia Qualquer”. O filme era uma homenagem à cidade que o acolheu. Num estilo nouvelle vague, a trama mostrava a Belém da década de 60 a partir da estória de Carlos (Hélio Castro), que perdera a esposa Maria de Belém (Lenira Guimarães), vítimas de complicações durante o parto.
O lançamento do filme foi aos moldes hollywoodianos em sessão no Cine Nazaré. No entanto, bastou a película entrar em cena para surgirem as primeiras críticas que, por sinal, sempre permearam o trabalho do cineasta. Uma das mais ácidas partiu do jornalista Acyr Castro. É possível ler a crítica feita por ele no livro “A Crítica de Cinema em Belém” , organizado por Pedro Veriano, em 1983. Castro foi o sucessor de Líbero, em decorrência de sua morte, assumindo sua cadeira na Academia Paraense de Letras e, apesar de ter sido seu maior crítico, não se furtou de homenageá-lo quando foi secretário de Cultura do Estado, batizando a sala de exibições com o nome do cineasta.
Voltando a “Um dia qualquer”, ele foi feito a duras penas, como praticamente toda a obra de Luxardo no Pará, com orçamento curto, falhas na montagem e na dublagem, sem contar as trocas seguidas de fotógrafos.
“Marajó, barreira do mar”, lançado no Cine Olimpia, também foi um fiasco de público e crítica. Depois vieram “Um diamante e cinco balas”, “O Bandido da Luz Vermelha” (1968); “Brutos Inocentes” (1973), em cores; e outros. “Por mais que se critique a filmografia de Libero, hoje ela é um documento histórico reunindo imagens de Belém do inicio dos anos 60”, destaca Veriano.
Líbero morreu em 2 de novembro de 1980 vítima de câncer de próstata.

Filmografia
Aurora do Amor – 1930
Novidades regionais – 1932
Alma do Brasil – 1932
Anguera – 1934 (inacabado)
As maravilhas do Mato Grosso – 1934
Barbosada – 1936
Caçando feras – 1936
A luta contra a morte - 1937
Lucíola – 1938
Aruanã – 1938
Amanhã nos encontraremos – 1941
Nos domínios do Pai Tuna – 1941
No campo das planícies – 1941
Navegação da Amazônia – 1941
Na região do Tapajós – 1941
O Círio – 1941
Aniversário do presidente Vargas na Amazônia – 1941
Fragmentos da vida – 1941
Assistência à infância em Belém – 1946
Um dia qualquer – 1962
Marajó, barreira do mar – 1964
Um diamante e 5 balas – 1968
Pescadores da Amazônia – 1966 a 1971
Brutos Inocentes – 1974
Viagem à Amazônia: rio Purus (sem data)

Por que se orgulhar?
Líbero Luxardo foi o primeiro cineasta a filmar longas com técnicos e atores paraenses, privilegiando temas amazônicos em seus roteiros. Suas trilhas sonoras também exaltavam a música do Pará, destacando artistas como o maestro Waldemar Henrique e o compositor Paulo André Barata. Amante do nosso Estado e da sétima arte, é, até hoje, referência para as novas gerações de cineastas de toda a região.

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